O mais interessante de Longlegs, é como toda a insanidade do mundo é enxergada por uma visão tão amadora e rotineira. Como se todo os assassinatos que estão acontecendo fossem só mais um dia na vida daqueles agentes, e como, enquanto algo não sobrenatural, esse caráter investigativo é completamente direto. Mas o ambiente sobrenatural é tão contaminante, que cada vez mais essa história vai ganhando um peso enorme. Na primeira investigação, por exemplo, onde a personagem de Maika Monroe parece delirar antes de entrar na casa, é um dos indícios dessa contaminação aos poucos. No decorrer da cena, não vai nada além de um filme policial qualquer: tiroteio, invasão, o assassino nas sombras...
E essa contaminação não é só sentida por nós, mas também pelos personagens, já que todo o terror do filme gira em volta desses assassinos inconscientes e o mistério do porque isso acontece. Todo os elementos do filme e os planos usados por Oz Perkins em momento algum deixam o espectador se enganar sobre o mal que predomina na tela. Mas, assim como os agentes, toda a jornada de Longlegs parece ser desvendar esse mal, como ele afeta as famílias mortas e também a protagonista, que sempre parece abalada e fragilizada, pela sua relação distante com sua mãe, pelo seu abandono à religião... Até mesmo sua relação com outros agentes expõe como ela é alguém que precisa ser blindada e cuidada. Então, o filme parte de todo esse conhecimento da personagem de si, e de todo o desconhecimento dos outros para com o mundo.
Essa lógica da personagem de Maika Monroe é chave pra como Longlegs estabelece todo o sobrenatural do filme. Desde a primeira cena do filme, onde a vemos criança conversando com uma figura desconhecida e até como adulta é inconsciente perseguida pelo "amigo de um amigo". As vozes que sussuram seu nome, os olhos que a olham em cada virada na parede, as sombras que crescem atrás de si...
Apesar do que vi alguns colegas apontarem, enxergo Longlegs como quase uma antítese a tendência A24. Toda a relação dicotômica que existe lá entre bem e mal, e como em praticamente todos os filmes, essa relação sobrenatural e espiritual é renegada como parte do que move os personagens; são monstros que os assombram e ponto. É muito pouco aproveitado toda a margem que esse mal pode causar no personagem, e todo esse suposto terror psicológico elevado é extremamente vazio na maioria das vezes, pois não sabe lidar com essa relação causal. Já Longlegs, tem toda a causalidade necessária pra já colocar ele a frente de muitos outros: ele sabe lidar com como esses personagens reagem a esse mal que os consome, principalmente com a personagem de Maika Monroe. Oz Perkins deixa claro essa sincronia na cena de abertura, que mesmo sem contexto, serve justamente pra mostrar como essa personagem, mesmo que inconscientemente, é inextricável a esse evento. Tudo que é paranormal é justamente temível por ser incompreensível, e quando é apresentado como algo que faz parte da realidade, e não algo além dela. Todo esse desconhecimento faz parte da misticidade do filme.
O filme inteiro parece uma rejeita à qualquer tipo de convenções e tendências Hollywoodianas que levam seus filmes a um sucesso comercial. Toda a abertura que Oz Perkins tem para usar seus simbolismos, as menções bíblicas e negações à fé, que nada pode fazer aqui diante de um ambiente completamente desestabelecido e destruído, afetado completamente por esse mal irreversível. Até como os agentes tratam Nicolas Cage e como todo seu satanismo não faz nenhuma diferença, pois, o que está feito, está feito. É irreversível. Qual a importância do sensacionalismo em mostrar esse lado da história? O sofrimento das famílias perdidas é o mesmo. É basicamente do que faz O Silêncio dos Inocentes, que usa a figura de Hannibal Lecter como um bode expiatório para o mal que acontece no filme, como se esse tipo de sensacionalismo e engrandecimento dessa figura não fosse apenas performático e midiático. O filme até cita isso com toda a seita de Charles Manson. Aqui, mesmo após capturarem Longlegs, a preocupação da personagem de Maika Monroe é justamente descobrir se não existe mais alguém agindo junto do serial killer, para evitar que aconteça o irreversível novamente.
"Ele com certeza adora o diabo, mas ele pode fazer isso nos Estados Unidos." (fala sobre o personagem de Nicolas Cage, que é o serial killer no filme).
Algumas das escolhas na decupagem de Oz Perkins lembram alguns filmes de Lars Von Trier, em especial Dançando no Escuro e A Casa Que Jack Construiu. Muitas das vezes, a câmera é muito amadora e a maneira que usa os zoom deixando bem evidente a manualidade da coisa, mostram que essa escolha estética semelhante não é apenas coincidência. Na montagem também, quando insere elementos do delírio que aparecem na tela sem qualquer lógica (as cobras ensanguentadas, por exemplo) lembram muito como Lars Von Trier esquematiza as esquetes de A Casa Que Jack Construiu. Como Oz Perkins usa as cores do seu filme também lembram esse afrouxado de Von Trier com seus tons extremamente brancos e seus planos quase que desenquadrados. As elipses temporais, os cortes e flashbacks desconsoantes com a lógica narrativa, e até mesmo a maneira como o serial killer parece zombar de si mesmo. Pra deixar mais óbvio, só se o filme ameaçasse a personagem com "cortar os peitos"... E essa relação de ambos até faz sentido, já que ambos buscam construir seu individualismo de uma maneira muito a parte de outros filmes.
Sei que esse filme será comparado com inúmeros outros thriller policial que têm uma figura que é "a encarnação do diabo" (em quantos filmes você já não ouviu essa expressão ser dita?), mas acho que são comparações extremamente frias, justamente porque Longlegs trabalha essa banalização de uma maneira muito única e aterrorizante. É profano e incômodo como pouquíssimos filmes são. Poucas vezes na minha vida senti tão nervoso num filme. Toda a construção de Oz Perkins para esse horror é tão sugestiva quanto livre pra interpretação, mas o diretor consegue manipular toda a atenção para o inexprimível e incontrolável até mesmo por ele.
Espero que esse filme receba o mesmo tempo em debates da mesma maneira que nos últimos 8 anos tanto debateram (positiva e negativamente) repetitivamente sobre os filmes da A24, que em nada justificam tamanha polaridade e abertura.

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