As inúmeras qualidades e inúmeros defeitos de O Brutalista (2024)

 

O principal objeto de apreciação de Brady Corbet em O Brutalista é o tempo. Não o da duração, mas sim como ele reverbera e pesa em seus personagens. Por vezes, o controle dos episódios, das ações dos personagens e dos problema envolvidos me parecem extremamente corretas, mas por outras, esse modismo que adota me parece aleatório e infundado. Claro, a fluência do que funciona em seu filme tá nas imagens e não no seu texto, e por isso, sinto que o controle do filme escape da sua mão na segunda parte e nos momentos decisivos do seu filme. O problema é justamente parecer contemplativo demais num filme que acompanha um personagem por 4 horas e às vezes parece estagnar. Pegamos por exemplo a cena que Harrisson Van Buren (Guy Pearce) abusa sexualmente Laszlo Toth (Adrien Brody) - que por sinal, estão ótimos no filme. O que o diretor quer dizer com essa cena, em suma, é ressaltar como os Van Buren não gostam de Laszlo e só o usam, de fato, como um empregado. Problema é que a primeira visto isso já é entendido através do personagem de Harry Van Buren (Joe Alwyn), e daí, a violência que se desencadeia a partir disso, me soa como um pedido desesperado pra sentirmos pena de seu protagonista. E isso, abandonando muitas vezes coisas básicas que o filme estabelece, como seus dilemas, seu vício em drogas, sua relação com sua esposa, o tempo que passou no campo de concentração… Claro que nada disso precisa ser esmiuçado em tela, mas a sensação é que Brady Corbet não soube lidar com seu protagonista. Muitos desses problemas, ele acaba resolvendo por elipses (o que, como eu disse, fazem mau para o filme, sobretudo na segunda parte), mas o que me intriga, é como ele sabe utilizar esse elemento tão bem na primeira parte, tanto para despender o peso dos acontecimentos com fluídez, quanto para trocar de “episódio” narrativo.


Essa troca entre os episódios me parece especialmente importante na primeira parte, uma vez que junto disso, troca-se a estética, a formalidade… Como exemplo, antes do evento que antecede a saída de Laszlo da casa de seu primo, a atmosfera do filme é muito mais amistosa e esperançosa (claro, tematicamente ali é Laszlo entrando no “sonho americano”), a câmera observa a reforma da biblioteca de maneira mais vislumbrada e próxima, o jantar com o primo e sua esposa é estilizado num vermelho chamativo (este que é momento chave pra historia). Pós saída da casa do primo (isso que tá intrinsecamente ligado a tudo que falei antes), a câmera já desmorona sobre Laszlo, e com isso, toda a estética e encenação do filme também, os planos ficam mais distantes e menos chamativos… Afinal, o que quero dizer como ponto central disso aqui: não há nada que Brady Corbet faça no filme de bom na primeira parte, que ele não subverta esse bom uso para um mau uso na segunda parte. A frieza contrastada (a definição perfeita do que se torna a encenação) da segunda parte me faz até achar que é um filme diferente que eu assisti antes do intervalo. Até os bons usos dos personagens nas sombras e no centro da luz são perdidos nessa segunda metade. Não há espontaneidade. Acho que esse é o perigo de fazer um filme tão faustado em suas próprias ideias, como é O Brutalista: a mecanização de um ideal catártico que não fora construído no filme. Parece que toda essa idealização encontra um contraponto perfeito em todas as suas contradições: um filme que é abertamente anti sonho americano mas que põe em verdade personagens sionistas*, um filme que tem grandes momentos, mas decai justamente por tentar fazer de todo momento um grande momento, as imagens sobrepostas com algum significado que são tomadas por imagens masturbatórias da “beleza” que o filme cria.


O que me faz gostar mais do que desgostar do filme, são as excelentes possibilidades que a filmagem permite (VistaVision e a digitalização), que fazem as grandes cenas do filme ter uma personalidade muito grande (sobretudo na contemporaneidade) e serem impactantes no filme. Claro que não é sempre que isso funciona (como eu já bati nessa tecla), mas quando a encenação direta (pra não dizer travada) se funde à beleza desses planos, Corbet consegue criar algo de fato interessante no filme. A força dela é justamente por ser tão direta, tão livre ao que mostra semanticamente o filme (as imagens sobrepostas, no caso). E essa mise en scene funciona até bem em certos momentos de conflito (a cena de Erszabet no jantar e a que a segue, por exemplo), porque é tão crua, tão ausente de meandros, que a brutalidade da cena me parece ser captada da exata maneira que Brady Corbet deseja. Mas, novamente, isso funciona por momentos, por outros são desastrosos. Mas ainda assim é um filme que tem muita margem pra se discutir, questionar… Uma pena que ficará marcado por uso de Inteligência Artificial e será veementemente rejeitado pela cinefilia atual.

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