De início, é importante entender que o cinema provém de um desejo de se filmar a realidade. Realidade essa que busca um mimetismo para com a vida real, como um espelho, além de só tematicamente. Entretanto, o cinema falha em atender esse desejo, já que a "realidade" que vemos na tela é completamente falsa, já que o plano que assistimos, nada mais é que um feito para agradar os olhares do espectador. Portanto, ao filmar eventos trágicos como o Holocausto (onde, em Auschwitz, nunca tivemos uma câmera para documentar o que de fato acontecia), o cineasta pode acabar por usar um olhar em busca dessa verossimilhança, que acaba, por muitas vezes soando fetichista e espetacularizado.
Entretanto, Zona de Interesse não é um filme sobre o Holocausto, e sim, sobre a sua banalização no ponto de vista alemão. O diretor Jonathan Glazer adota uma postura extremamente formal em prol desse discurso.
No filme, nunca temos contato visual com o campo de concentração em Auschwitz, que está logo ao lado da casa onde moram a família Hoss (onde Rudolf é o líder do campo de concentração). A abordagem vai totalmente contra a espetacularização utilizada em filmes como Lista de Schindler e A Vida é Bela, que tentam, de maneira muito artificial nos colocar, de certa forma, "dentro" dos campos de concentração. Já aqui, Glazer entende que isso não é necessário para causar o terror que quer atingir, e o faz através daquilo que é invisível pra nós, mas que sabemos que está ali (outrora, lembrados pela fumaça saindo dentro das câmaras de gás ao fundo). Apesar de vez ou outra escutarmos gritos ou tiros, o silêncio presente aqui também colabora com esse terror sugestivo.
Para além do que não vemos ou ouvimos, o visual de Zona de Interesse não tem nada de parecido com os outros filmes citados acima. Se eles optam pelo preto e branco ou pelo tom acinzentado (ou seja, algo mais sombrio), Zona de Interesse trabalha com cores extremamente vibrantes, que sugerem essa normalidade vista pelos alemães. Os jardins são muito coloridos e cheios de flores, a noite com um azul chamativo, os dias com um tom quase saturado...
A naturalidade dos acontecimentos é exposta através dos diálogos, que por vezes se apresentam como fúteis ao seu telespectador (como as espécies de flores plantadas no jardim), e em outras como completamente destoantes daquilo que esperaríamos ver de comandantes de um campo de concentração. É propositalmente cínico, mas também virtuoso.
Os planos abertos e mostrados de diversos ângulos estão sempre nos sugerindo uma observação ostensiva e desconfortável, dando palpabilidade para o horror e estranheza que nos cerca durante todo o filme. Nos sentimos exatamente como um intruso, que não queria estar ali, como se a culpa e crueldade que exala daquele lugar também nos afetasse. Entretanto, essa culpa e crueldade não vem para tornar daquelas nazistas agentes de senso comum, dos quais muitas vezes são alvos de comentários errôneos, especulando que todo o horror que aconteceu, fora manipulado apenas por mentes perversas. A naturalidade com qual Glazer filma, subverte esse discurso, justamente por sermos tão informalmente apresentados a pessoas tão "comuns".

👏👏👏
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