O Irlandês e a desconstrução do gênero de máfia.


 O gênero de máfia é uma das principais representações para o cinema Hollywoodiano, e também o gênero mais importante para o movimento da Nova Hollywood. Resurgindo décadas depois de sua representação no cinema Norte-Americano através do noir, o gênero de máfia toma força principalmente com o lançamento de Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, este que é até hoje, a maior representação de mafia do cinema no imaginário popular.

Marlon Brando, como Don Corleone, em O Poderoso Chefão. 


Francis Ford Coppola, Brian de Palma e Martin Scorsese são os principais alicerces do gênero que é referenciado até hoje. Não que seja diretamente através do gênero, mas o revisionismo dos filmes relacionados a crime, como Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1995) de Quentin Tarantino, sofreram influência direta dos filmes de máfia, influência essa que afeta o cinema Hollywoodiano como um todo, até os dias de hoje.

Cães de Aluguel(1992), de Quentin Tarantino.


Entretanto, apesar de toda sua importância, tudo no cinema é datado, até que sua realização se torne clichê e, portanto, cansativa, vá contra a "necessidade" da indústria no capitalismo, ou até mesmo desinteressante para o público. Fator ou outro desses que afetou o Faroeste. Mas, recentemente, o gênero tão caracterizado pelo pistoleiro cowboy nos filmes de John Ford, vem sofrendo um tipo de revionismo, desconstrução e reimaginação do Western, como em Ataque Aos Cães (2021), de Jane Campion, e First Cow (2019), de Kelly Reichardt. E é exatamente aí que entra o Irlandês.

First Cow (2019), de Kelly Reichardt.


Acho interessante pensar que O Irlandês é uma espécie de filme saudoso e melancólico. Não de um tom arrependido, mas sim, do sentimento de um tempo que já se passou e não volta mais. Também não por egoísmo ou sofreguidão, mas por desejo de mais, e mais da maneira que Scorsese sempre fez. Mas, 50 anos se passaram, e a compreensão dessas décadas pesa completamente em O Irlandês.

Essa compreensão se dá principalmente no olhar dos personagens. Se há 5 décadas atrás tínhamos Robert De Niro e Joe Pesci em seus auges físicos em filmes como Touro Indomável, aqui já os temos (obviamente) mais velhos. E em O Irlandês, seus personagens carregam uma certa indolência, até mesmo nos momentos em que estão "mais novos". É quase uma interpretação de si mesmos (e isso também vale para Al Pacino, que até parece carregar um vigor um pouco maior), só que mais plácidos. E isso também se reflete diretamente no entendimento do gênero. O estilismo e o padrão comumente usado de mafiosos rockstar já não existem mais. Não que Scorsese fuja da máfia aqui, mas se em Casino, essa vanglória mafiosa se inicia na manipulação em apostas, aqui se inicia num desvio de mercadoria de um açougue.

E aqui os sentimentos também pesam muito mais. A velhice, o tempo, a solidão, o silêncio, contaminam o filme na última hora que, é até difícil não se emocionar. Frank (Robert De Niro) que após sair da cadeia, mal teve contato com as filhas, mesmo estando doente, de cadeira de rodas e em leito de morte. A aversão que Peggie (sua filha) tinha ao pai não era recente, mas sim, desde criança. Entretanto, o que naquela época não afetava Frank, agora, velho e sozinho, o faz lamentar. E essa solidão, que é culpa de si mesmo, parece doer tão mais do que matar um companheiro de tantos anos.

Uma conversa com a enfermeira, a benção de um padre, o pedido de deixar a porta entreaberta para abafar esse sentimento... Apesar de não ser o encerramento do ciclo do gênero, essa encenação tão minuciosa e melancólica parece demonstrar uma autoconsciência quanto a esse não tão distante fim. Afinal, Scorsese sabe de sua importância, a importância do movimento da Nova Hollywood e do gênero de máfia. Entretanto, sabe ainda mais que o cinema não depende de nada disso para continuar. E assim, ele irá continuar. Com ou sem Scorsese, com ou sem um dos gêneros mais importantes para o cinema Hollywoodiano. Mas, a porta ainda está aberta...


                             Cena final de O Irlandês (2019), de Martin Scorsese.

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