É de conhecimento geral a importância do gênero faroeste para a construção dos moldes do cinema Hollywoodiano. Esse gênero para além dos moldes criados em relação a linguagem e história do cinema, tem papel político extremamente importante. Exemplo mais conhecido é "Rastros de Ódio" (1956) de John Ford, que faz críticas ácidas ao expansionismo norte-americano. Outro filme que faz duras críticas culturais, dessa vez ao masculinismo, é "Johnny Guitar" (1954) de Nicholas Ray.
Mas apesar de vários filmes que tecem críticas e constroem pensamentos progressistas, é impossível não afirmar que grande parte dos filme Faroeste carregama grande teor preconceituoso, seja ele racista ou machista. Isso na visão de superioridade do homem branco para os nativos, vistos como inimigos, e da virilidade dos homens, enxergando a figura feminina como um troféu. E esse olhar problemático nos leva a "Horizon" (2024), filme de Kevin Costner.
É uma pena absurda que os primeiros comentários que vazaram da crítica brasileira tenham sido correlacionando-o a um suposto liberalismo americano tradicional nos filmes de Western. Estes mesmo que fracamente o apontaram de tal, não conseguiriam encontrar qualquer mínimo de progressismo e crítica nos filmes de Ford. Talvez diriam que How Green Was My Valley é um manifesto anticomunista. Talvez por não ser explicitamente palatável ao óbvio daquilo que enxergam como progressismo, mastigado e cuspido de volta na cara do expectador, advindo de uma visão completamente liberal. E se, em mundo de Cannes, o que é progressista é Poor Things, certamente os comentários que sairiam de lá sobre Horizon, seriam o exato oposto. E foram.
O que mais me encanta no filme de Costner é justamente sua não preocupação em fazer algum tipo de comentário político. E assim o faz. Faz quando os nativos "invadem" o acampamento dos colonos; quando filma o cotidiano dessas pessoas quase que de forma episódica, focando suas problemáticas em uma escala muito menos relevante do que todo o contexto envolvido; quando dialoga justamente sobre cultura, tanto dos nativos, quanto desse povo, que já a 140 anos, pautava sobre a persona do American Dream. Costner fala de cultura e a questiona, e portanto, fala de política. Já na primeira sequencia da tomada do acampamento dos colonos, ele já mostra como esses simbolismos são importantes para construção da mítica que envolve o filme: um violão, a fuga nos cavalos, a maneira como filma os tiroteios, quase como se fossem um ritual... Fala sobre isso até nos mais simples dos gestos, quando mãe e filha estão debaixo da terra, respirando através de um cano. Até os simbolismos que já mencionei fazem parte de uma composição de analise histórico-cultural. Basta assistir a cena final da criança se encontrando no dilema de atirar ou não, que isso se torna até muito óbvio. A cena da mulher se banhando a noite e os homens que a olham à espreita...
Essa conexão dos personagens tá muito mais ligada a um cotidiano apresentado descontinuamente, do que ao desbravamento das terras. Apesar de todo o contexto e de sermos conhecedores disso, isso tudo parece mais um pano de fundo para todo o comportamento de Costner quando filma. E Costner filma tão bem, e se utiliza tão bem da câmera, que essa simplicidade fica na memória. Usa das maiores convenções possíveis do gênero, como filma a paisagem, como constrói seus personagens e seus conflitos, mas a história parece nunca querer avançar para algo "maior". Talvez porque seja uma saga sendo criada, mas como não sou capaz de analisar o futuro, entendo como unicamente como uma paixão pelo gênero, e uma liberdade de romper com certas "necessidades". Não é isso que Costner busca. É puro e simplesmente o acompanhamento do nascimento de uma nação. Então, apesar de ser um convívio múltiplo e terem diversos núcleos, é tudo muito individual. Essa análise de Costner parte de um lugar muito diferente do senso comum desse expansionismo cultural. Parte de como esses indivíduos dividem, quase que espiritualmente, algum tipo de ligação em suas crenças.

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