De um tema tão profundo e dolorido, Almodóvar consegue arrancar de sua história um poder que diz muito mais sobre toda a beleza encontrada na dor, refletida de uma vida vivida tão intensamente, do que a sombriedade que a eminente morte inevitavelmente traz. A humanidade em mostrar os erros, arrependimentos e fragilidades não como julgamento ou punição, mas como naturalidade, faz parte da maneira em que Almodóvar constrói a relação de Martha e Ingrid. Ritmos de emoções tão belamente pincelados por uma trilha sonora não invasiva, e que controla os momentos de intensidade do filme. A cena em que Ingrid acredita que Martha fez aquilo que desejara, por exemplo, é uma aula de como se utilizar uma trilha sonora que, de fato, ajuda a contar uma história.
As histórias contadas por Martha, nas primeiras visitas de Ingrid, mostram como tudo nesse filme, de certa forma, são revisitas a memórias, em como a personagem de Julianne Moore faz a personagem de Tilda Swintom sentir. A companhia de uma amizade por anos adormecida, parece dar voz a esses sentimentos, faz parte dessa confissão tão natural dos sentimentos, dos mais bonitos aos mais obscuros (mas sempre proferidos de maneira tão natural, ainda que advertidos). Essas palavras de Martha que deseja a morte, conflitam diretamente Ingrid que teme a morte. Mas mesmo com esse temor, age de maneira complacente, quase como se manifestasse que a maneira que enfrentaria esse medo, seria tentando evitar perder uma amiga. Mesmo que concorde em acompanhá-la, a todo o momento parece tentar fazê-la mudar de ideia sobre o suicídio (a cena em que Martha esquece a pílula da Eutanasia, ou nas cenas que espera uma repentina melhora da amiga, por exemplo).
Tão conhecido por seus exageros estilísticos, Almodóvar faz questão aqui de utilizá-los de maneira muito mais contida, usando-os principalmente para destacar simbolismos chave do filme, como a porta vermelha e as cadeiras de praia. Essa escolha atípica só reforça o tom de maturidade desse filme, mesmo sem abandonar características que dão ao filme a personalidade de Pedro Almodóvar. Não só o estilismo, mas até o humor escancarado e exagerado é substituído por momentos muito específicos de uma comédia sútil, quase imperceptível. Almodóvar administra muito bem todas essas escolhas e a temática do seu filme, que fazem uma união muito coesa. O maior problema do filme é justamente os momentos atípicos que ele quebra essa leveza e transforma o filme (mesmo que brevemente) em comentários sociopolíticos quase que completamente deslocados do filme. A cena em que Ingrid vai almoçar com um amigo sequer parece ser do mesmo filme.
De muitos altos e alguns baixos, Almodóvar constrói um filme tenso e reflexivo (mesmo que por algumas vezes soe moralista), que sabe utilizar elementos de simplicidade para desenvolver sua história, que é íntima e ao mesmo tempo distante.

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